Há momentos de calmaria

E há momentos agitados, decisivos

Em que a boa intenção não basta.

É quando a vida nos cobra coragem,

Arrojo, criatividade e um inabalável espírito de luta.

Do filme “O Gladiador”

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Cid Teixeira sendo homenageado no Programa de Jorge Portugal.

Guidha Cappelo chegou, para ficar...

por Cid Teixeira

Guidha Cappelo chegou, para ficar.
Angolana de Moçâmedes, dispersada da sua gente pelos azares da guerra, ora deu-se que veio ter à Bahia como disse, ao tempo que seu linguajar ainda era mais enraizado.
Aqui, nasceram-lhe outras raízes. No falar e no fazer. Trazendo a técnica, a competência, a obstinação e, acima de tudo isto, a condição de artista que é sua, Guidha continuou aqui a sua faina de transformar material reciclado em beleza.
Não lhe passará fibra vegetal de qualquer natureza, não lhe escapará do trato mil restos que, a olhos profanos, seriam inservíveis Ela, certamente, os elevará à condição de obra da sua arte.
Há, na vida de Guidha Cappelo, uma janela. Uma janela real: a janela da casa número 19, numa rua da Cidade de Moçâmedes, em Angola. A janela da sua casa de infância; a janela da casa de toda a sua vida. Daquela janela foi que Guidha viu e viveu tudo. A infância e a adolescência. Conheceu a esperança. Despertou para a arte.





Foi, também de lá, daquele mesmo peitoril que viu todos os sonhos, que Guidha viu o horror. Viu a guerra; viu a miséria, viu a morte, tudo isto nas formas mais cruéis, mais abjetas. E sublimou tudo isto trabalhando o papel. As palavras são dela:

" O papel foi como uma trilha para descobertas,
para voltas, reviravoltas, para idas e vindas,
às vezes sem sentido...
Foi trazendo as imagens que se perderam nas
gargantas apertadas, nas esperas angustiantes,
que descobri como tenho mãos amigas,
abraços queridos, sorrisos de paz a me amparar...
(...)
Foi trabalhando com papel, refazendo aparas, reciclando lixo,
remexendo as entranhas, revirando a vida,
que cheguei a amigos e estes fizeram esse tapete voador
que me levou de volta à minha terra natal,
resgatando, dia-a-dia, pedaçinhos dessa história
q
ue eu achava estar no vazio..."

Tapete Voador. A expressão diz tudo.
Esta exposição é, essencialmente, um retorno. Guidha mora na Bahia; Guidha trabalha na Bahia. Ocorre, porém, que Guidha nunca saiu de Moçâmedes, lá em Angola.
Nunca saiu daquela casa. Nunca deixou de caminhar para aquela janela donde quis e sempre quer ver o mundo.
Não é por acaso que esta exposição tem um título: Janelas ao Sol.
Janelas sempre. Uma janela em particular. Aquela janela de uma casa em Moçâmedes, com esta exposição abre-se, agora, na Cidade de Salvador.
Para que Guidha Cappelo veja; para que Guidha Cappelo seja vista.

Cidade de Salvador, maio de 2004

Cid Teixeira
Historiador e Professor da Universida de Federal da Bahia

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